sábado, 14 de maio de 2016

O Eu e o tempo, de Henri Bianchi

"Assim, o Eu, como bem sabemos, constrói-se no tempo sucessivo, liberando-se de estados que pertencem a uma outra temporalidade. Assim o Supereu fixa ele mesmo um tempo e uma norma temporal no memento em que, como Freud [Novas conferências introdutórias] escreve, o complexo de Édipo lhe cede o lugar. Assim o Id, por sua parte, pode desempenhar o papel de fonte, capaz de renovar a identidade de uma lógica de sucessão.

Envelhecer não é, portanto, em caso algum, seguir um caminho já traçado, mas pelo contrário construir esse caminho. Antes de tudo, envelhecer não é o 'problema' específico de uma faixa etária, envelhecer diz respeito a todas as idades. Em qualquer idade, não devemos nos esquecer disso, a urgência da vida, pelo menos nesse ponto, é a mesma: trata-se de manter-se vivo, ou seja, em especial, de encontrar 'vias' de expressão adequada às exigências de um desejo cuja ilimitação, porém, deve ser combatida sem cessar.

No entanto, no fim da vida ou na perspectiva de seu termo, a identidade, para se manter, vê-se confrontada com alternativas que implicam no desenvolvimento de um trabalho psíquico sui generis. O Eu deve renunciar a uma certa forma de continuidade - em primeiro lugar, é claro, à biológica - e inventar formas substitutivas: ele estão então confrontado com uma dupla exigência, a da conservação de um sentido dado à própria vida, até o fim, e a da prova de realidade do fim dessa vida. Verificamos então que ele pode buscar a solução desse difícil problema tanto na regressão e no recolhimento narcísico quanto em diversas vias elaborativas. É nesse último caso que a confrontação com a lei do tempo leva à realização de um trabalho psíquico cuja abordagem, convém observar, pode corresponder a diversos modelos. Podemos citar, por exemplo, o modelo da castração simbólica, mas também o do luto, o do desinvestimento do objeto - fatores culturais e, não só estruturais, devem ser levados em conta a esse respeito." (pp. XIV-XV).

Bianchi, H. (1993). O eu e o tempo: psicanálise do tempo e do envelhecimento. (J. Briant, Trad.). São Paulo: Casa do psicólogo. (Obra original publicada em 1987).